Shopping Trem

O shopping trem mudou. Antes era bala Fini um real, pomada milagrosa, guaraná e Coca-Cola em dia de calor. Agora, os meninos usam máscara para entrar, tiram a máscara para gritar e vendem máscara, porque é o momento.

Com minhas observações diárias, percebo que os negócios estão indo de vento em popa. “Um por cinco, dois por dez, se o freguês levar mais de dois ganha mais uma de brinde.”

Eu penso de onde vem essa carga, quem está fabricando, o quanto estão ganhando por isso, mas sou interrompida por outro menino que desce a máscara para gritar. O produto é álcool em gel.

Como alguém dá credibilidade para um vendedor que oferece produtos que nem ele usa? É mais barato, eu sei. Mas alguém está realmente ganhando algo com isso? Por que parece mesmo que no fim o menino vendedor vai pegar o vírus também.

Seria essa a nova jogada de marketing? “Eu tenho vírus sim, mas não vou passar pra você, meu senhor, porque minha máscara impede que isso aconteça. Compra comigo que você vai sair no lucro.”

A reflexão não importa, a mercadoria não importa, a vida deles não importa, o que importa mesmo é não deixar o freguês na mão e vender sempre a última tendência.

O metrô é a feira contemporânea, que trocaram os pés de alface por pós faciais, as comidas orgânicas pelos chocolates de marca desconhecida, mas desde que começou a pandemia deixou o seu público com fome. Eles trocaram os modernos industrializados pelos kits coronavírus. Vez ou outra, surge um menino vendendo salgadinho, a carga acaba na hora, o freguês tem fome de porcaria que não mata a fome.

Em geral, o metrô sempre foi uma mimética, vários meninos iguais vendem variadas coisas iguais, mas desta vez o produto está muito específico e é repetição de máscara e álcool em gel, máscara e álcool em gel. Derrubou a máscara? Acabou álcool? Eles estão lá, contaminados ou não, a disposição.

Imagino quando a vacina chegar de verdade, qual vai ser o argumento da vez: “Vacina lá fora você compra por 200 reais, aqui comigo é só 10.” “Toma aqui sua vacina e nunca mais vai precisar usar máscara.”

Não, esses meninos não vão vender vacina, porque daí eles teriam que ter tomado ela, esses meninos não terão acesso a ela. Talvez o patrão, o freguês, o maquinista, mas os meninos? não. Esses meninos nem gente são, logo eles são substituídos, igual as mercadorias.

E quando tudo isso acabar? Como o shopping trem vai ficar? Outros meninos virão e vão voltar a vender as balas Finis, as pomadas, os guaranás e as Coca-Cola, para a satisfação da clientela vacinada.

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